É quase anacrônica a discussão a respeito da reforma tributária. Algo fora de tempo, extemporâneo, inoportuno. Desde a formação do atual sistema tributário brasileiro, regido pela Constituição Federal de 1988 se fala em reforma; a respeito da necessidade de alteração do atual modelo para um mais justo, com menos tributação sobre o consumo e mais tributação sobre a renda.
Somos um país no qual as classes mais pobres recolhem proporcionalmente mais impostos do que as mais ricas, além da disfuncionalidade tributária atestada pelo Banco Mundial que aferiu que as empresas brasileiras gastam 1.501 horas por ano para declarar seus tributos.
Fernando Haddad, desde antes de sua posse oficial, já anunciou Bernard Appy como secretário da reforma tributária – tema que, segundo o ministro da Fazenda, seria prioridade para o novo governo. Algumas questões se colocam: mesmo sendo debatida a mais de trinta anos e absolutamente necessária, ela é viável? E para além disso, é capaz de ser aprovado o projeto de lei defendido por Bernard Appy (PEC 45/2019)? Neste breve texto veja cinco motivos pelos quais entendemos que a discussão desta PEC não é fácil, e transforma mais uma vez a famigerada reforma tributária em um grande elefante branco.
A PEC 45/2019 traz, naturalmente, uma série de inovações no sistema tributário. Para destacar os problemas centrais na articulação política do projeto, escolhemos as três principais mudanças no Projeto de Emenda à Constituição:
- A criação de um Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), substituindo o IPI, PIS, Cofins e o ICMS, e o Imposto Seletivo (IS) no lugar do ISS.
- Revogação de todos os benefícios fiscais setoriais. Fim das isenções, reduções de base de cálculo ou diferimentos;
- Não haverá mais cobrança em regimes monofásicos.
A criação de um imposto de competência nacional, que modificará não apenas os tributos federais, mas também os estaduais, esbarra em um primeiro sério problema ainda não plenamente resolvido: os governos estaduais estarão satisfeitos em renunciar a sua autonomia gerencial sobre os seus tributos? Alguns juristas discutem se a retirada da regulação de tais impostos feriria o chamado pacto federativo, mas nem é esta nossa intenção. Ainda que do ponto de vista constitucional a criação de um IVA seja plenamente factível, não é fácil entender como politicamente os entes federativos abririam mão de uma parte importante de sua influência política. Grande parte das negociações entre os governadores e as assembleias estaduais ocorre através da possibilidade de gerir o ICMS como bem entenderem. Esta trava política é, portanto, o primeiro e grande problema a ser resolvido pelos defensores do projeto de reforma da PEC 45/2019.
Além disso, haveria a alteração do parágrafo primeiro do artigo 152 da Constituição Federal, passando a impedir a concessão de benefícios fiscais setoriais.
Esta mudança chama naturalmente a atenção das entidades de classe, que podem, a partir da aprovação da reforma, perder grande parte de seu benefício fiscal estadual concedido. Apenas a título exemplificativo, no caso de uma produtora de alimentos que hoje possui isenção total de ICMS, a retirada do benefício acarretará naturalmente em um aumento da carga tributária. É importante destacar que alguns dos setores mais importantes do país possuem benefícios fiscais; como é o caso da agroindústria que, na maioria absoluta dos estados, não recolhe ICMS. Enfrentar o lobby setorial é um segundo desafio para a aprovação do projeto.
Somado a isso, e ainda a respeito dos benefícios fiscais, é importante lembrar que grande parte dos governos utiliza a concessão deles para atrair empresas para sua região, o que naturalmente os façam temer uma fuga imediata de indústrias para os estados mais ricos e com mais infraestrutura do país, caso deixem de existir. Por outro lado, os empresários já estão atentos e perceberam ser muito mais atrativo estar no Sudeste, cobertos por uma rede de infraestrutura moderna, do que em entes federativos afastados, com poucas estradas, difícil acesso aos portos e uma rede ferroviária quase inexistente.
Quando olhamos para os municípios, as questões não são menores. Sabe-se que o setor de serviços está em tendência de alta mundial, principalmente nos setores ligados à tecnologia. Esse crescimento traria, no modelo tributário atual, aumento de receita para as cidades que se sustentam, fundamentalmente, a partir do recolhimento do Imposto Sobre Serviços (ISS). Aqui o problema é o mesmo – os 5.568 prefeitos em todo o território nacional, renunciaram à sua força política de regulação do imposto?
Um outro componente, talvez ainda não avaliado cuidadosamente pelos integrantes da Receita Federal, é a extinção do modelo de tributação monofásica. Atualmente, adotamos aquele em que os produtos de mais difícil fiscalização, como balas e bebidas vendidas em todas as lojinhas informais pelo país, sejam tributados apenas na primeira etapa da cadeia (indústria), e possuem o preço repassado para as próximas etapas. Com o fim da monofasia tributária, a RFB terá condições de ampliar seus instrumentos fiscalizatórios para o comércio informal? Os supermercados locais, bares, mercearias, e tantos outros comércios pequenos serão obrigados a tributar seus produtos diretamente e, portanto, a emissão das Notas Fiscais será item fundamental. Caso isso não ocorra, quem fiscalizará? A responsabilidade será da Receita ou das Secretarias da Fazenda? Ou ainda dos municípios?
Pra não dizer que não falei das flores, em grande saudação a Geraldo Vandré, ainda é possível pensarmos em uma articulação mais simples, breve, e factível – a unificação do PIS e da Cofins (com a concessão do direito à crédito financeiro e ilimitado), e a reforma do Imposto de Renda, passando a tributar as distribuições de dividendos, diminuindo as alíquotas sobre as pessoas físicas e aumentando sobre as pessoas jurídicas. Somada a estas mudanças (que já foram tentadas pelo antigo governo, sob a batuta do ex-ministro Paulo Guedes), o novo governo promete atualizar a tabela do imposto de renda, isentando da tributação pessoas físicas com recebimentos mensais de até R$5 mil.
Ninguém em sã consciência rebate a necessidade de uma reforma tributária, entretanto, a dúvida é se o novo governo conseguirá articular politicamente com um Congresso tão comprometido com lobbies poderosos. Trocando em miúdos, esse elefante na sala poderá se tornar um labrador amigável?
Guilherme Braidotti Filgueiras – Novos Negócios da LacLaw Consultoria