Recentemente foram publicados dois acórdãos pela Câmara Superior de Recursos Fiscais que chamaram a atenção. No dia 10/06/2022 no acórdão 9303-013.200 decidiu-se que “(…) o frete de produtos acabados entre estabelecimentos da empresa não caracteriza insumo, (…) e, portanto, os gastos respectivos não ensejam creditamento”.
Poucos dias depois, em 15/06/2022, no acórdão 9303-013.194 concluiu-se que “[o]s valores decorrentes da contratação de fretes de produtos acabados entre estabelecimentos da própria empresa geram direito aos créditos das contribuições para o PIS e para a COFINS na sistemática não-cumulativa”.
Um olhar acostumado a decisões jurídicas pode não se surpreender com a divergência entre as duas decisões e elencar diversos motivos para que haja entendimentos opostos em um mesmo tribunal:
- Pode haver uma peculiaridade no caso concreto que diferencie os dois casos;
- É possível que os acórdão sejam provenientes de turmas diferentes do mesmo órgão;
- Em se tratando da mesma turma, há a possibilidade de um julgador ter se ausentado ou ter sido substituído por outro com uma visão diversa do assunto.
Contudo, não foi nenhum desses motivos que levou a CSRF a entendimentos completamente distintos sobre a mesma matéria. Não há peculiaridade nos casos concretos que os diferencie em relação ao mérito discutido; ambos os acórdãos foram julgados pela 3ª Turma, com a mesma composição e nenhum dos julgadores mudou seu posicionamento. Ainda assim os resultados foram diferentes.
A explicação foge ao senso comum, em alguma medida. A partir da Lei 13.988/2020 foi extinto o voto de qualidade no CARF, e os empates de julgamento que eram resolvidos por conselheiros da Fazenda (que historicamente votam favoravelmente ao Estado), passaram a ser resolvidos em prol da demanda do contribuinte. A Lei que trata da matéria passou a ter a seguinte redação:
Lei nº 10.522/02 – “Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte.”
Todavia, a extinção trazida pela nova Lei não foi aceita pelo CARF. O referido conselho entendeu que, pela literalidade do art. 19-E, o fim do voto de qualidade aplica-se exclusivamente aos casos de “determinação de exigência”, o que, para o Conselho, se resumiria aos casos de autuações. Portanto, a extinção do voto de qualidade seria inaplicável a créditos compensados em PER/DECOMP não homologados pela Receita Federal.
A diferença entre a situação de autuação e a de não homologação de créditos compensados, simplificadamente, é que no primeiro caso o contribuinte não recolhe o tributo, e a Receita abre um processo administrativo contra ele. Já na hipótese de não homologação, o contribuinte recolhe o tributo, arrepende-se, e se vale de um procedimento administrativo para reaver o montante do tributo, e não obtém a homologação da Receita. Para o CARF, nessa situação de não homologação, não há uma “determinação de exigência”, sendo essa a diferença essencial entre os dois acórdãos divergentes mencionados.
Essa interpretação viola a igualdade, pois possibilita posicionamentos diversos da mesma turma sobre o mesmo assunto e, em tese, até para o mesmo contribuinte. Não é adequado que situações equivalentes sejam tratadas de modos distintos sem que haja razão para a distinção, ainda que haja um agressivo ímpeto pela arrecadação.
As discussões entre fisco e contribuintes devem seguir regras claras e razoáveis para que se possa existir um sistema lógico e sensato, que não reflita simplesmente uma disputa entre o desejo da União de arrecadar mais contra o dos contribuintes de pagar menos.